Uma das principais características do nosso sistema jurídico (“Civil Law”), em contrapartida ao sistema de usos e costumes, comumente visto nos países de língua inglesa (“Common Law”), é que primeiro temos a sociedade expressando determinados comportamentos com efeitos no âmbito do direito (“fato jurídico”), para posteriormente serem regulados mediante alguma lei, caso ainda não exista.

Este contexto cada vez mais adquire velocidade, graças as evoluções tecnológicas e a globalização, as quais romperam inúmeras barreiras geográficas. Um grande exemplo desta evolução são as redes sociais, que inicialmente possuíam o objetivo apenas de conectar as pessoas para se relacionarem no âmbito social, cultural e de lazer, porém, avançaram para se tornar fonte de notícias, berço de profissões e negócios, como comércio eletrônico, propaganda de produtos e os chamados influenciadores digitais, atuando tanto na produção de conteúdo, quanto como agentes de propaganda para outras empresas.

Como resultado deste movimento das redes sociais, é possível dizer que elas possuem atualmente a dimensão e desdobramentos equivalente a países, especialmente quando falamos em quantidade de usuários. Pode-se comprovar a questão apenas analisando alguns perfis, vide o ator hollywoodiano conhecido como o “The Rock”, o qual possui 212 milhões de seguidores, número equivalente a população do Brasil.

Logo, qualquer notícia ou publicação que um influenciador divulga em suas redes sociais pode, em instantes, repercutir mundialmente. É neste ponto que reside o dilema acerca da efetivação das tutelas de urgência do direito[1], após o fato jurídico espalhar-se globalmente, inclusive em outras jurisdições.

Há muitas formas de se publicar um conteúdo nas redes sociais e uma das que possuem maior utilização é o chamado “stories”, consistindo em conteúdos no formato de enquetes, textos, vídeos, imagens cuja duração nas redes sociais é de 24 horas, salvo se o usuário a fixar em seu perfil, formato este que foi, inclusive, replicado em outras redes sociais como Facebook, LinkedIn e até mesmo no próprio WhatsApp.

Com esta dinâmica, podemos apontar três problemas: (i) como a plataforma pode rapidamente avaliar que há uma violação de suas políticas de uso e, imediatamente coibi-la;  (ii) a plataforma possui a autoridade necessária para julgar o que estaria dentro de suas políticas de uso ou não, a luz da liberdade de expressão e demais direitos Constitucionais por se tratar de uma empresa privada (famoso dilema sobre quem vigia os vigilantes, mencionado por Dan Brown em seu livro Fortaleza Digital em 1998); e (iii) como assegurar de forma legal a integridade da prova produzida, eis que o conteúdo desaparecerá em 24 horas, dificultando que futuramente obtenha-se a tutela jurisdicional, principalmente no que se refere às de urgência.

Neste artigo procuraremos responder à indagação do item (iii), pois para as questões (i) e (ii) seria necessário um outro artigo tratando da liberdade de expressão e limites de interferência no Poder Privado e se tais empresas atualmente exercem uma função equiparada a função Pública, assim como uma análise da própria jurisprudência para aferirmos dos argumentos que vem sendo enfrentados em casos semelhantes.

Pois bem, uma vez delineado o contexto, temos que a tutela de urgência em nosso ordenamento jurídico, evoluiu substancialmente a partir do Código de Processo Civil instituído pela Lei 13.105/2015, pois foi criada a possibilidade de se apresentar uma tutela de urgência antes da propositura de uma ação principal, com o objetivo apenas de garantir uma urgência contemporânea, como se verifica na maioria dos casos envolvendo conteúdos de redes sociais, ante a sua velocidade de repercussão e danos.

Para estas questões, algumas possibilidades são levantadas como fazer uma ata notarial da publicação, contatando-se o cartório e indicando como proceder o acesso ao conteúdo na rede social, para fins de registro. Contudo, há determinados períodos em que isto não seria possível, vide finais de semana e feriados.

Como resposta a estes períodos em que se torna inviável lavrar ata notarial, algumas ferramentas estão sendo criadas, a exemplo do site Verifact (https://www.verifact.com.br/) que facilita a captura de provas ocorridas on-line, possuindo alto rigor técnico e embasamento jurídico quando comparado, em contrapartida, aos “prints” das telas de celular e/ou computador que, embora possam ter sua veracidade questionada em juízo, a depender da forma como são obtidos, são capazes de atestar ilícitos cometidos via “stories”.

Assim, ainda que seja possível demonstrar as violações e abuso de direitos cometidos nas redes sociais e aplicativos cujo conteúdo simplesmente desaparece dentro de 24 horas, há de se considerar que, na maioria dos casos, o dano causado pela postagem poderá refletir em abalos de imagem e reputação muitas vezes não condizentes com indenizações por danos materiais e morais que venham, a título de responsabilização civil a posteriori, recair sobre o autor dos ilícitos cometidos.

Em síntese, ainda que tenhamos evoluído nas questões de defesa das tutelas de urgências com o Código de Processo Civil, em face da velocidade das redes sociais, será preciso nos debruçarmos para criar modelos de proteção da integridade da prova, bem como para que as políticas de conteúdo das redes sociais tenham um direcionamento que possam assegurar a efetivação da tutela quando houver algum abuso ou violações de diretos de outrem.

 

[1] Sendo as tutelas de urgência uma antecipação de um direito com base na sua probabilidade e no perigo em que isto pode causar, caso o poder judiciário não conceda a providência solicitada, antes de obedecer todos os seus trâmites judiciais de produção de prova, como por exemplo a defesa, replica, oitiva de testemunhas, perícia, etc.

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