Na última quarta-feira, 14 de dezembro de 2020, a Câmara dos Deputados aprovou o Marco Legal das Startups (o “MLS”), apresentado pelo Projeto de Lei Complementar (“PLC”) 146/2019, na qual seguirá para o Senado.

Sob a intenção de estimular o empreendedorismo e dar maior segurança às empresas inovadoras que navegam um cenário econômico desafiador – vide estudo do IBGE publicado em 2018, denominado Demografia das Empresas e Estatísticas de Empreendedorismo que apurou que cerca de metade das empresas brasileiras fecham após completarem quatro anos de atividades – o texto da norma passou por diversas discussões que envolveram representantes do setor, associações e, claro, políticos.

Nosso ordenamento jurídico positivista é obcecado por normas. Tudo tem que estar regulado e previsto em lei, mesmo que essa lei traga pouco efeito prático diante das inócuas regras e limitações trazidas pelo legislador – neste sentido, citamos a Lei do Investimento Anjo, tão festejada quando promulgada, mas que criou uma estrutura de investimento tão engessada que é pouco (ou pouquíssimo) utilizada no mercado de Venture Capital, que segue utilizando os bons e velhos mútuos conversíveis ou debêntures, quando possível.

Voltando ao MLS, dentre as inúmeras questões dispostas no PLC, nos chama especial atenção a regulamentação das opções de subscrições de ações da startup, também denominada de stock options ou simplesmente “opções”.

As stock options nada mais são do que a possibilidade do empreendedor ofertar a seus empregados a possibilidade de fazerem parte do capital social da empresa, na qualidade de sócio ou acionista, mediante o cumprimento de condições estabelecidas entre as partes, resultando na outorga do direito de aquisição de ações da startup – por um valor descontado ou até mesmo simbólico.

Em resumo, trata-se de prática comum e antiga no mercado de tecnologia, nas multinacionais e nas empresas de capital aberto, que passou a ser adotada pelas empresas nascentes e inovadoras da nova economia, que utilizam práticas empresariais das grandes corporações – a tal da governança corporativa – para se tornarem mais atrativas para investidores e possíveis compradores.

O trade off é simples: a empresa normalmente possui poucos recursos para contratar aquele profissional pagando a remuneração que ele receberia no mercado, então oferece a possibilidade deste profissional se tornar sócio; desde que ele cumpra alguns pré-requisitos e/ou metas, balanceando assim o pacote de remuneração entre salário e ações.

Ao profissional é dada a oportunidade de não somente se sentir dono do negócio, mas efetivamente ser e, portanto, se beneficiar de eventuais dividendos e do resultado de um evento de liquidez, seja uma rodada de investimento ou M&A, tendo em vista que a expectativa é que o valor das suas ações aumente exponencialmente.

Este conceito de “chance de ser dono” é amparado em estruturas legais denominadas como vesting, stock option plans ou employee stock option plans.

Dentro deste contexto, no momento de exercício da opção pelo profissional, é garantido o recebimento de suas ações ou, alternativamente, o pagamento equivalente ao valor de mercado destas ações.

Ocorre que, de acordo com o conceito remuneratório trazido pelo MLS, as stock options integram a remuneração do trabalhador e, portanto, no ato de conversão destas ações ou recebimento do respectivo valor, incidirá a contribuição previdenciária e fiscal.

Um ponto importante para a mensuração do valor de tais ações é o fato de que o art. 17 e 18 do MLS, dispõe que o valor de cada ação será o valor justo atribuído conforme as normas contábeis à opção de compra de ações.

No entanto, é sabido que as startups operam de forma peculiar, com patrimônio líquido negativo e longos períodos de cashburn, especialmente pelo fato de que o capital injetado é direcionado para o desenvolvimento da empresa, melhoria do produto, aumento da base de clientes, crescimento e expansão do negócio. Quase nunca o objetivo é, de fato, lucro.

Ainda assim, o valuation das startups pode estar totalmente descolado de um resultado que se obteria através de uma análise cartesiana – para confirmar tal entendimento, vejamos os exemplos dos unicórnios brasileiros, muitos deles ainda deficitários e com grande necessidade de capital intensivo até alcançarem o breakeven, mas que são avaliados em bilhões de reais.

Ora, desta forma, nos parece extremamente complexo (e quiçá até prejudicial ao trabalhador e às startups) que seja necessário o recolhimento da contribuição previdenciária e fiscal no âmbito do exercício das stock options, afinal o valuation da empresa pode estar bastante esticado devido ao seu crescimento exponencial.

Não somente esticado, tal valuation pode estar inclusive referendado por força de uma rodada de investimento recentemente completada, pela qual novos investidores aportaram recursos na startup tendo como base tal valuation “esticado”.

Em suma: por conta das contribuições acessórias decorrentes do caráter remuneratório trazido pelo MLS, o exercício das stock options pode sair caro demais e não valer a pena, diminuindo sua atratividade e apelo mercadológico, ferramentas fundamentais para que tal modelo continue de pé no mercado.

Vale dizer, ainda, que as ações objeto da stock options podem, em tese, valer muito dinheiro, mas normalmente é um patrimônio extremamente ilíquido (leia-se: nada líquido), tornando seus detentores “ricos de papel”. E somente de papel.

Citando Henry Ward, fundador do Carta X, que em recente texto publicado na plataforma Medium disse: “Startup employees take lower salaries in exchange for equity. Today, the only path to liquidity is IPO or acquisition for which 99% of startup employees never see. For the overwhelming majority of startup employees, the equity lottery ticket is never redeemed and their paper wealth never converts to real wealth.”

A grande verdade é que, no mundo real, ou no mundo de venture capital, 80% do portfólio de startups dos fundos de investimento ou “anda de lado” ou simplesmente não dá certo e fecha as portas. Os efeitos de tais desdobramentos se aplicam não somente aos investidores, mas também aos colaboradores com ações e opções sobre o capital destas startups, que não só serão demitidos, mas também serão diretamente afetados caso elas fechem ou não alcancem o tão desejado evento de liquidez, como uma secundária, exit ou IPO.

Ou seja: é possível – e até provável – que tal colaborador não somente investirá tempo e energia para conquistar tais ações, como também tenha que investir recursos financeiros no pagamento das verbas acessórias relativas às suas ações, para jamais ver a real cor do dinheiro, dado que essas ações são extremamente ilíquidas.

Nos parece, então, que o conceito remuneratório trazido pelo MLS resulta em um ônus adicional ao colaborador-sócio, e uma trava legislativa na autonomia mercantil das startups.

Em nosso entendimento, seria mais adequado se o MLS trouxesse em seu bojo o conceito que tais ações ou opções deveriam ser objeto das contribuições acessórias somente quando de seu efetivo evento de liquidez, afinal é neste momento que o colaborador (que investiu anos de trabalho para virar sócio) finalmente percebe o efetivo valor daquele ativo, que finalmente se tornou líquido. É o papel virando dinheiro.

Vale comentar que, em recente decisão proferida nos autos do Acórdão n.o 9202-008.532 – CSRF/2a Turma, a segunda turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) manifestou entendimento semelhante com o do MLS, no sentido que as opções integram a remuneração do trabalhador, sendo este também um entendimento comum ao fisco.

Finaliza-se esclarecendo que, caso o MLS entre em vigor com o texto do PLC, ficará afastada a possibilidade de alegação de caráter indenizatório das stock options ou de uso de valor meramente nominal das ações para efeitos previdenciários e fiscais.

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