Sempre que se aproximam feriados e datas de grande importância para o comércio, inúmeras dúvidas surgem com relação aos direitos do consumidor, despertando preocupação e atenção dos comerciantes e empresários, especialmente em tempos de pandemia, cujo comércio eletrônico tem sido o grande motor de vendas.
Com as vendas pela internet sendo a “menina dos olhos”, o grande entrave gira em torno da eventual falta de estoque ou delay no sincronismo entre o banco de dados e o portal de vendas. Diante da repercussão nas redes sociais, os efeitos da falta de estoque podem resultar em: (i) má reputação na avaliação dos consumidores; (ii) danos morais.
Este artigo busca esclarecer os pontos a serem observados pelos empresários para efeitos de caracterização dos danos morais decorrentes desta falta de estoque e respectivo cancelamento do pedido.
Os requisitos para a configuração do dano moral são: (i) a existência de um dano; (ii) nexo causal entre o dano e a pessoa que o tenha causado; (iii) culpa, consubstanciada na imprudência, negligência ou imperícia.
Feitas estas considerações, a mera falta de estoque, por si só, não ensejaria o dano moral, posto que em inúmeras vezes, não houve um dano ao consumidor que seja imputável ao comerciante, mas apenas um mero dissabor. Se faz necessária a demonstração da ocorrência de dano com algum fato que supere o entendimento discricionário do julgador, relativo ao mero dissabor.
Dentre as práticas mitigadoras do problema, recomendamos que haja: (i) aviso o quanto antes da indisponibilidade do produto, facultando o cancelamento, escolha de outro produto ou devolução do dinheiro; (ii) caso o consumidor aceite aguardar a disponibilidade do estoque, que ele possa decidir, a qualquer tempo, alterar pela escolha de outro produto ou a devolução do dinheiro; (iii) dar publicidade sobre como se dá a política da empresa, em caso de eventual indisponibilidade de estoque.
Embora não elimine o risco de caracterização de dano, há uma robusta mitigação, tornando-se remoto eventual configuração de dano moral.
Neste sentido, vejamos algumas decisões de Tribunais de São Paulo e Rio Grande do Sul, na qual caracterizam o dano moral apenas quando há uma combinação de violações, como por exemplo, demora na restituição do valor pago, substituição por outro produto também indisponível no estoque, recusa na restituição do valor pago etc. Vejamos:
238000010215 – RECURSO INOMINADO – CONSUMERISTA – PRODUTO ADQUIRIDO PELA INTERNET – CANCELAMENTO DA COMPRA POR INDISPONIBILIDADE DO PRODUTO EM ESTOQUE – AUSÊNCIA DE RESTITUIÇÃO DO VALOR DESEMBOLSADO – DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO – Consoante iterativa jurisprudência das Turmas Recursais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, a ausência de restituição do valor desembolsado para compra de produto pela internet, cuja compra foi cancelada pela fornecedora, sob o argumento de ausência do produto em estoque, não acarreta lesão a algum dos atributos da personalidade, a caracterizar dano moral in re ipsa (RI 71005014394, 3ªTRC/RGS, rela. juíza Silvia Muradas Fiori, j. 11/09/2014; RI 71004853222, 4ªTRC/RGS, rela. juíza Glaucia Dipp Dreher, j. 25/07/2014). De efeito, o mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige (REsp 403919/MG, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 4ª T/STJ, j. 15/05/2003). Prequestionados estão todos os dispositivos legais e constitucionais invocados na petição inicial, contestação, razões e contrarrazões recursais, porquanto a fundamentação do presente decisum não viola qualquer deles. RECURSO IMPROVIDO. (JERS – RIn 71004632345 – 3ª T.R.Cív. – Rel. Ricardo Bernd – J. 23.10.2014)
239000167574 – CONSUMO – AUSÊNCIA DE ENTREGA DE ELETRODOMÉSTICO POR FALTA DE ESTOQUE – TROCA POR OUTRO BEM TAMBÉM EM INDISPONIBILIDADE – CONDUTA ABUSIVA POR PARTE DA EMPRESA RECORRENTE – DANO MORAL RECONHECIDO – REDUÇÃO PARA R$ 3.000,00 – RECURSO PROVIDO EM PARTE. (JESP – RIn 1005756-96.2016.8.26.0297 – 3ª T.Cív.Crim. – Rel. Alexandre Yuri Kiataqui – J. 02.06.2017)
161001517041 – BEM MÓVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS AUSÊNCIA DE ENTREGA DO PRODUTO ADQUIRIDO – DANO MORAL – CABIMENTO – Positivada a responsabilidade da ré pela não entrega do produto, de modo injustificado e por período significativo, mesmo ciente da ausência de estoque, quedando-se inerte frente à necessidade da consumidora, sobra patente sua responsabilidade pela indenização por danos morais. Indenização Dano moral Quantificação Razoabilidade. O valor do dano moral deve ser arbitrado com moderação e dentro dos padrões de razoabilidade, tendo em vista o grau de culpa, a realidade da hipótese e suas peculiaridades. Recurso improvido. (TJSP – Ap 0015589-93.2010.8.26.0127 – Carapicuíba – 30ª CDPriv. – Rel. Orlando Pistoresi – DJe 06.03.2014 – p. 917)
161001768410 – VENDA E COMPRA DE MÁQUINA DE FOTOGRAFAR – AUSÊNCIA DE ENTREGA – Imputação da falha a transportadora e a ulterior falta do bem no estoque. Descabimento. Ônus do fornecedor pela escolha da transportadora e disponibilidade do bem. Mantença da procedência de ressarcimento do preço pago. Dano moral. Suporte em frustração da expectativa de filhos e enteados acerca da vinda do bem ao ensejo de época natalina. Exacerbada importância a bem de consumo. Frustração de terceiros, não do adquirente consumidor. Inabilitação dos fatos, considerando possível data de entrega do bem, à cogitação de indenização. Dissabor indenizável inexistente. Recurso parcialmente provido para afastar a indenização acolhida. (TJSP – Ap 0009437-06.2011.8.26.0576 – São José do Rio Preto – 26ª CD.Priv. – Rel. J. Paulo Camargo Magano – DJe 26.08.2014 – p. 1476)
Assim, ocorrendo a indisponibilidade de estoque e adotando-se as práticas indicadas neste artigo, a empresa terá o risco de dano moral reduzido, restando apenas as questões sobre devolução de valores, cancelamento do pedido, troca por outro produto e espera pela disponibilidade futura.