Desde o início da pandemia da COVID-19, diversos setores vêm sendo afetados negativamente no País. Dentre, eles está o mercado de fusões e aquisições, o qual teve um resultado mais fraco no primeiro semestre de 2020 se comparado ao primeiro semestre de 2019, tendo em vista que o número de transações diminuiu 25% e o volume financeiro movimentado foi 61% menor neste ano[1].
As operações societárias de aquisição de maior volume, que, pela sua natureza e complexidade, podem levar um período razoavelmente longo entre a assinatura do contrato de aquisição e o fechamento da operação, normalmente carregam nos documentos relativos à aquisição uma cláusula que visa inibir ou atenuar os efeitos materiais adversos, cujo objetivo é a manutenção do equilíbrio contratual através da alocação de risco, na hipótese de ocorrer um evento inesperado que altere significativamente os resultados da sociedade a ser adquirida (a “Sociedade Alvo”).
A cláusula de efeito material adverso, também conhecida como cláusula MAC (material adverse change clause), geralmente estabelece a possibilidade de o comprador não prosseguir com a aquisição caso, entre o período de assinatura e o fechamento da operação, ocorra um evento adverso, isto é, um evento que seja alheio à vontade e controle da Sociedade Alvo e que altere consideravelmente seus resultados.
Diante das incertezas geradas pela pandemia, bem como possíveis alterações nos resultados de empresas que se encontram em processos de aquisição, vêm sendo discutido se a Covid-19 e seus efeitos (declaração de pandemia, quarentenas e lockdowns) devem ser considerados como um efeito material adverso ou não.
Para alcançar a resposta acerca do referido enquadramento, é necessário analisar cada caso em concreto, uma vez que a resposta poderá variar de acordo com a definição de efeito adverso relevante adotada no contrato de aquisição, bem como o mercado no qual estaria inserido à Sociedade-Alvo, para que se avalie se, de fato, esta foi afetada pelo efeito material adverso em questão.
Geralmente as definições de efeito adverso relevante são feitas com base em três considerações diferentes: a primeira delas – e a menos utilizada – traz uma definição geral, na qual efeito adverso relevante significa qualquer fato que altere os resultados da empresa, sem apresentar qualquer tipo de excludente.
No caso de utilização da definição mencionada no parágrafo anterior, o acontecimento de qualquer efeito material adverso relevante, incluindo-se uma pandemia, ainda que sem previsão expressa no contrato, daria ao comprador a opção de não prosseguir com a operação de aquisição.
A segunda definição considera efeito adverso relevante um fato que altera os resultados da empresa, porém apresenta hipóteses que não se enquadram em efeito adverso relevante, por exemplo, mudanças nas condições políticas ou econômicas do país. A título exemplificativo, o comprador estaria obrigado a prosseguir com a aquisição em uma situação, ainda que em um cenário no qual a alteração dos resultados da empresa ocorreu em razão de uma mudança econômica no país.
Em relação à terceira e mais utilizada definição, ela considera efeito adverso relevante um fato que altera os resultados na empresa e apresenta excludentes para a referida alteração, como, por exemplo, afetações não relevantes (que, por exemplo, poderão estar limitadas a um valor que seja considerado insignificante, como algum cenário que reduza em menos de 5% a receita operacional da Sociedade-Alvo).
Todavia, a linguagem de tais cláusulas deverá dispor que as excludentes não devem ser consideradas caso o impacto causado na empresa seja desproporcional em relação a outras empresas que atuam no mesmo setor – para ilustração, utilizamos a hipótese na qual a alteração nos resultados da empresa decorre de uma alteração na política do país, mas outras empresas do mesmo setor não foram afetadas da mesma maneira; neste caso, o comprador poderia optar por seguir ou não com a aquisição.
De modo geral, com relação aos contratos de aquisição celebrados anteriormente ao início da pandemia da COVID-19, apesar de alguns deles – normalmente, mais sofisticados – possuírem cláusulas de efeito material adverso, na maioria das vezes, elas não eram expressas em relação à eventos de pandemia.
Entretanto, ainda que a cláusula MAC não fosse expressa quanto à caracterização de pandemia como fato adverso, a depender da redação adotada no contrato, seria possível realizar seu enquadramento como referido fato, obviamente mediante decisão judicial ou arbitral.
Algumas operações de aquisição que tiveram seus contratos assinados após o início da pandemia passaram a incluir o termo “pandemia” ou o próprio termo “Covid 19” na cláusula MAC, para o enquadramento ou para a exclusão da pandemia como efeito material adverso, por exemplo, no contrato celebrado entre a Turning Point Brands, Inc. e Standard Diversified Inc[2].
Em linhas gerais, entende-se que o enquadramento de pandemia como efeito material adverso irá depender da redação adotada no contrato.
Desta forma, é necessário que a cláusula MAC seja bem elaborada para garantir o efetivo ferramental pretendido no seu âmago, qual seja, o cumprimento de seu objetivo de alocação de risco e manutenção do equilíbrio do contrato, de modo a permitir que o comprador tenha o poder de escolha de prosseguir ou não com a operação diante de um fato adverso relevante.
[1]VALOR ECONÔMICO < https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/07/08/fusoes-e-aquisicoes-no-brasil-caem-25percent-no-1o-semestre-diz-ttr.ghtml> Acesso em 26.07.2020.
[2] AMERICAN BAR ASSOCIATION: <https://www.americanbar.org/groups/business_law/publications/blt/2020/06/ma-deals-2020/> Acesso em 29.07.2020.