Entrou em vigor no último dia 2 de janeiro de 2023 a Resolução da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) nº 59, publicada inicialmente em dezembro de 2021 e atualizada no decorrer do ano de 2022 (“Resolução CVM nº 59/22”).
A norma teve por objetivo oferecer não somente uma sistemática mais simples e orgânica das informações a serem divulgadas pelas companhias abertas, de maneira a atender melhor aos interesses de seus investidores, mas também ampliar a divulgação de informações relacionadas aos critérios ambientais, sociais e de governança praticados, enfatizando a importância das práticas ESG (Environmental, Social and Governance).
Tal medida representa uma atualização na maneira com a qual os formulários de referência eram apresentados até então, contendo dados burocráticos e até repetidos, muitas vezes decorrentes de exigências complexas da própria CVM e que acabavam por não atender aos interesses do mercado, considerando ainda os altos custos na obtenção, processamento e consolidação das informações reunidas.
Um dos pontos de maior relevância trazidos pela Resolução CVM nº 59/22 está na determinação de que as emissoras passassem a incluir em seus relatórios informações relacionadas aos aspectos ambientais, sociais e governança corporativa praticados. Assim, trazem luz às disposições ESG presentes em seus respectivos ambientes corporativos, seguindo a tendência já iniciada na União Europeia com a edição de normas como a Diretiva 2014/95/EU e o Regulamento Delegado EU 2021/1253; e mais recentemente também proposto pela Securities and Exchange Comission (SEC) americana em maio de 2022.
Nesse sentido, a norma foi expressa em requerer que as companhias abertas fizessem tal divulgação na forma do modelo “pratique ou explique” – descrevendo em maiores detalhes quais são as políticas atualmente adotadas por elas (pratique) ou permitindo a elas o fornecimento de esclarecimentos sobre as razões pelas quais essas práticas ESG não são adotadas (explique).
Além disso, os formulários de referência das empresas passam a conter informações sobre temas como a realização ou não de controle de inventário de emissão de gases de efeito estufa; divulgação de riscos sociais, ambientais ou climáticos relativos ao negócio, conforme descrito em sua matriz de risco; descrição de casos de irregularidades, fraudes, desvios e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira; e identificação de contribuições realizadas para candidatos, partidos políticos ou indivíduos eleitos.
Já com relação a temas relacionados aos colaboradores das companhias abertas, a Resolução CVM nº 59/22 prevê a inclusão de disposições de remuneração de seus administradores e empregados, especialmente relacionando-a a disposições de desempenho de fatores ESG; indicações sobre a forma como as informações ESG são divulgadas, tanto em relatório atual como em plano de negócios; além da divulgação de informações e indicadores relacionadas à diversidade, considerando a identificação autodeclarada de gênero, cor e raça dos seus colaboradores.
Nesse sentido, a previsão de divulgação de informações sobre diversidade traz uma repercussão direta às disposições relacionadas à proteção dos dados pessoais dos colaboradores das organizações responsáveis por tais reportes, conforme previsto pela Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD). Isso representa uma valiosa oportunidade de apresentação, fomento e consolidação de políticas de diversidade e inclusão a serem exploradas pelas companhias abertas.
Em linhas gerais, a LGPD qualifica como “dados pessoais sensíveis” (dentre outros também qualificados pela norma), os dados relacionados à origem racial, étnica ou de gênero que possam estar vinculados a um indivíduo. Acerca de tal fato, são assegurados determinados direitos e garantias específicas na forma com a qual esses dados pessoais sensíveis estão sujeitos ao tratamento, representado por toda e qualquer operação realizada com eles.
Dessa forma, dado o caráter relevante dos dados pessoais sensíveis e a forma com a qual eles podem ser divulgados no âmbito do formulário de referência, conforme previsto na Resolução CVM nº 59/22, é salutar notar que o texto adotado pela norma descreveu que tais dados pessoais seriam “autodeclarados” pelos colaboradores das empresas. Não representa, assim, uma obrigatoriedade a ser exigida nas informações divulgadas.
Isso não significa, contudo, que as empresas não possam aproveitar essa oportunidade para desenvolver ou aprimorar os seus programas de diversidade e inclusão, desenvolvidos originariamente para promover um ambiente de segurança e acolhimento para seus profissionais, estimulando-os a se identificarem de forma livre, clara e inequívoca, como pertencentes a determinada raça, cor, gênero ou orientação sexual. Isso seria feito em consonância com as disposições da LGPD, que permitem o tratamento de dados pessoais sensíveis dessa natureza.
Os benefícios para a companhia decorrentes de tal estratégia são inúmeros: implementação e manutenção efetiva de políticas de diversidade e inclusão – dado o volume de colaboradores que se autodeclaram pertencentes a algum grupo beneficiado por elas; atendimento às demandas exigidas pelos órgãos reguladores, mantendo os seus níveis de governança adequados às novas regras da CVM; e consolidação de sua posição de vanguarda e compromisso perante seus investidores e mercado em geral.
As etapas a serem tomadas nesse sentido envolvem: o desenvolvimento ou adequação de um programa de governança corporativa que inclua critérios ESG, em especial de diversidade e inclusão, para a implementação das políticas necessárias na organização; a análise, adequação ou implementação de políticas de privacidade que atendam às disposições da LGPD e normas relacionadas e que não conflitem com as regras da CVM; e a assessoria legal no atendimento de outras regras aplicáveis para atendimento às disposições de ESG que necessitem ser demonstradas pela empresa, de acordo com o modelo “pratique ou explique”.