Os investimentos voltados para o mercado de venture capital[1] na área de tecnologia, ou seja, o aporte de capital em uma empresa que tem como objetivo desenvolver um modelo de negócio disruptivo e escalável dentro do segmento “tech”, demandam cuidados específicos sobretudo no que diz respeito aos aspectos jurídicos e contábeis, tanto na elaboração do contrato de investimento, quanto no momento anterior à discussão do referido contrato. Dessa forma, investir em startups que atuam no setor de tecnologia é algo que exige atenção em suas nuances, considerando, principalmente, já se tratar de um investimento de risco, tendo em vista que o retorno do investimento é bastante incerto. O foco do presente texto será tratar sobre o procedimento de due diligence, que consiste basicamente na análise da estrutura interna da empresa alvo.
Pode-se afirmar que o investimento no mercado de venture capital em tecnologia requer experiência dos investidores, pois o investidor deve buscar compreender as características do segmento, como por exemplo: (i) as tendências do mercado de tecnologia; (ii) o tempo mínimo necessário para determinada tecnologia voltada a um determinado modelo de negócios atingir seu breakeven point[2], ou seja, o atingimento do equilíbrio financeiro da startup; (iii) os custos para que a empresa consiga adentrar no mercado de atuação, conseguir clientes, firmar contratos etc.; e, principalmente, (iv) saber detectar quais empreendedores, de fato, conseguem transformar o seu projeto, que muitas vezes está em fase bastante incipiente, em um negócio de fato escalável e que irá gerar lucros.
Assim, um dos momentos mais importantes que antecedem o investimento propriamente dito na empresa é a análise contábil/jurídica, como forma de verificar o estado das contas da startup, bem como eventuais contingências jurídicas que possam impedir a realização do investimento. Para calcular de maneira satisfatória o risco jurídico desse tipo de investimento, os investidores geralmente se valem de uma auditoria contábil/jurídica, a chamada “due diligence”, como forma de identificar e mapear as eventuais contingências da empresa, com o objetivo de expor o investimento ao menor risco possível ou, ainda, constatar que a desistência da realização do aporte é o melhor caminho.
Na maioria das vezes, as auditorias são realizadas por profissionais especialistas, os quais já possuem o conhecimento para encontrar as contingências mais relevantes dentro das empresas analisadas. Com base nos inúmeros casos de due diligence assessorados pelo BVA Advogados, tanto do lado dos investidores quanto do lado das startups, elencamos abaixo algumas das principais contingências jurídicas que merecem destaque:
A primeira análise que geralmente é feita diz respeito a estrutura societária da empresa, ou seja, quem são os sócios, se tais sócios possuem participação em outras empresas que possam impactar negativamente a empresa alvo, bem como compreender como se dá a estrutura societária da startup. Geralmente, como se trata de empresas que são geridas pelos fundadores, esse ponto não possui tanta relevância no momento da análise societária. Por outro lado, existem questões societárias que devem ser analisadas com profundidade, vale dizer aqui dois exemplos:
- a identificação de contratos que possuam impacto no quadro de sócios da empresa, ou seja, contratos que tem como objeto a concessão de participação societária na empresa, como contratos de mútuos, vesting etc.;
- análise das demonstrações financeiras da empresa, com o objetivo de verificar a saúde financeira da startup. Vale dizer que, apesar de não ser uma análise jurídica, tais documentos possuem impacto em questões societárias, como por exemplo a constatação da necessidade de aprovação de contas da empresa, que eventualmente não foram feitas.
Outra medida que deve ser observada diz respeito as certidões jurídicas, as quais são emitidas principalmente pelos órgãos públicos competentes. Tais certidões devem ser emitidas tanto em nome da empresa, quanto em nome de seus sócios. A análise de tais documentos tem o objetivo de mapear eventuais contingências nas mais diversas searas, como tributário, criminal, civil, trabalhista, dentre outras eventuais contingências que podem ser encontradas em tais certidões. As referidas certidões são solicitadas em âmbito Federal, Estadual e Municipal;
As Práticas trabalhistas da empresa também merecem destaque durante a análise da due diligence, uma vez que, com base nas auditorias realizadas pelo BVA Advogados, as startups costumam apresentar as seguintes contingências:
- colaboradores não-registrados;
- ausência de termo de rescisão devidamente assinado com os colaboradores desligados nos últimos 24 meses;
- recolhimento de impostos dos colaboradores realizado de maneira indevida; e
- risco de formação de grupo-econômico, por haver colaboradores que exercem função em outras empresas que os sócios possuem participação societária.
As contingências tributárias também possuem grande impacto para a tomada de decisão de realização ou não do investimento, sendo que as contingências mais usuais podem ser identificadas como:
- falta de pagamento devido dos tributos com os fiscos objeto de análise, seja referente à União, ao Estado e/ou ao Município onde a empresa está localizada;
- verificação de eventual desenquadramento do regime jurídico do Simples Nacional, uma vez que a grande maioria das startups que atuam setor de tecnologia ainda estão enquadradas neste regime tributário; e
- Verificação se os CNAE’s do objeto social estão adequados para às atividades que são de fato exercidas pela empresa.
Outro ponto bastante relevante que deve ser considerado na due diligence é a propriedade intelectual da empresa, tendo em vista que a maioria dos produtos são produzidos mediante a criação intelectual de um profissional, e assim a análise da propriedade intelectual dessas startups se faz bastante necessária. Além disso, existem diversos outros pontos que devem ser considerados na análise da propriedade intelectual da empresa, mas que não é o objeto do presente texto, a ideia aqui é somente elencar as principais contingências que são usualmente encontradas, quais sejam:
- ausência de cláusula de cessão de propriedade intelectual e de ativos intangíveis dos colaboradores à startup;
- ausência de registro de marcas, tanto na classe principal como nas classes complementares;
- propriedade intelectual desprotegida contra o abuso de terceiros;
- startup infringindo de alguma forma os direitos de terceiros na exploração de propriedade intelectual da empresa; e
- ausência de adequação correta da empresa à Lei Geral de Proteção de Dados, desde algo mais básico, como ausência de termos de uso, ou até mesmo de uma política de privacidade de dados.
São diversos os desafios encontrados para a concretização de um investimento de venture capital em startups que atuam no segmento da tecnologia, e é por isso que uma boa análise das contingências jurídicas e contábeis da empresa, é essencial para mitigar os riscos para a concretização do investimento.
Vale dizer que as informações acima elencadas não são exaustivas, mas sim exemplos das principais matérias que deverão ser passíveis de análise em sede da due diligence. Em arremate, realizar uma boa due diligence pode proporcionar ao investidor uma razoável segurança jurídica para assinar o contrato de investimento, tendo em vista, como já dito, que o próprio investimento em si já possui um alto risco, considerando a incerteza do sucesso do negócio. Assim, nada mais justo da mitigação dos riscos que podem ser mitigados, o que pode ser feito por uma boa análise da estrutura interna da empresa.
[1] Para saber mais sobre o conceito de venture capital, acesse: https://capitalaberto.com.br/secoes/explicando/venture-capital/
[2] Para saber mais sobre o breakeven point, acesse: https://conube.com.br/blog/como-calcular-o-break-even-point/.