invisibilidade da populacao lgbt

O Censo Demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE ocorre a cada 10 anos e consiste na principal ferramenta para mapear características da população brasileira.

Diante da omissão do poder público com relação aos dados da população LGBTQIA+, no dia 03/06/2022, o Juiz Federal Herley da Luz Brasil, da 2° Vara Federal Cível e Criminal do Acre, determinou que o IBGE apresente medidas que reputar adequadas para a inclusão dos campos “orientação sexual” e “identidade de gênero” no Censo Demográfico 2022, no prazo de 30 dias.

A decisão foi proferida em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal do Acre, requerendo em sede de tutela de urgência que o IBGE desenvolva e utilize uma metodologia para coletar dados acerca da orientação sexual e identidade de gênero da população no Censo Demográfico a ser realizado em agosto deste ano.

Em contrapartida, o Instituto argumentou que as justificativas técnicas para a não inclusão dos questionamentos já foram referendadas pela Justiça Federal do Rio de Janeiro no julgamento da Ação Civil Pública nº 5019543-02.2018.4.02.5101, quais sejam: dada a natureza sensível das informações, não haveria a possibilidade de uma pessoa responder por todas as demais, sob risco de não assegurar a devida veracidade. Além disso, o Instituto afirmou também que tais dados foram apresentados na Pesquisa Nacional de Saúde – PNS de 2019, divulgada recentemente.

Nesse viés, em sua manifestação na ação movida no estado do Acre, o IBGE afirma que diante da complexidade e custos envolvidos no Censo, que inclusive está atrasado, às novas exigências demandam mais tempo, inviabilizando o início das entrevistas previstas para agosto. Outro argumento está relacionado ao aumento de custos, não sendo possível incluir novas informações, “muito menos com os cuidados que o tema e a sociedade merecem”.

Por fim, o IBGE afirmou que acionará a Advocacia Geral da União – AGU para recorrer da decisão, visando evitar que a pesquisa seja adiada. Enquanto isso, está mantida a ordem judicial de apresentar instrumentos adequados para coletar as informações em discussão.

PESQUISA NACIONAL DE SAÚDE E INFORMAÇÕES ACERCA DA ORIENTAÇÃO SEXUAL

Com relação à afirmação do IBGE, apenas dados acerca da orientação sexual da população brasileira foram divulgados, deixando a identidade de gênero de fora da PNS apesar das diversas ações judiciais propostas, visando incluir o questionamento.

A pergunta realizada foi: “Qual é sua orientação sexual?”, com as seguintes possibilidades de resposta: heterossexual, homossexual, bissexual, outra orientação sexual, não sabe e recusou-se a responder.

O resultado da pesquisa demonstrou que 2,9 milhões de pessoas, representando aproximadamente 1,8% da população, se identificam como homossexuais ou bissexuais. Entre os jovens, de 18 a 29 anos, esse número cresce para 4,8% da população, com queda progressiva conforme o avanço da idade, atingindo 0,2% para aquelas com 60 anos ou mais.

Alvo de duras críticas, de acordo com a entrevista dada pela advogada Márcia Rocha, os dados divulgados são subnotificados e demonstram o medo ou o constrangimento, reflexo da realidade brasileira quanto ao avanço da discussão das pautas de diversidade e inclusão.

Corroborando com tal afirmação, temos que 2,3% das pessoas entrevistadas se recusaram a responder a pesquisa, mesmo considerando que ela abrange, inclusive, a heterossexualidade como resposta.

Além disso, a Pesquisa Nacional de Saúde, menos abrangente que o Censo Demográfico, objetiva coletar informações pertinentes ao Sistema Nacional de Saúde, bem como as condições de saúde da população.

Considerando que a homossexualidade foi retirada do Código Internacional de Doenças em 1990 – tendo ocorrido cinco anos antes no Brasil pelo Conselho Federal de Medicina, que a retirou do rol de patologias -,  não há justificativa para que tais dados constem numa pesquisa relacionada à saúde.

INVISIBILIDADE SOCIAL

De acordo com o relatório “Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil – 2021” publicado pelo Grupo Gay da Bahia, o Brasil segue como um dos países que mais mata pessoas LGBTI+ no mundo. Estima-se que a cada 29 horas ocorra uma morte marcada pela violência.

Tais dados são importantes para entender a realidade social da população. Além disso, são ferramentas cruciais para possibilitar a criação de políticas públicas de combate à violência e exclusão, conforme trecho da decisão:

[…] a informação estatística cumpre um significativo papel instrumental na efetivação de políticas públicas. Contudo, no caso dessa população, os levantamentos não contam com uma coleta de cobertura nacional e com reduzida capacidade de desagregação por grupo sociodemográfico, o que tem impedido uma fidedigna radiografia do perfil social, geográfico, econômico e cultural dos LGBTQIA+.

Diante de tamanha omissão, apenas por meio do Censo, políticas públicas conectadas com a  podem ser efetivadas a nível nacional. Considerando que a PNS foi realizada em apenas 108 mil municípios, e que o Censo contou com 67.569.688 de domicílios abordados na última pesquisa, fica demonstrada a necessidade de levantar tais dados, desta vez através do Censo.

Considerando a ausência de informações e sua relevância, empresas têm se movimentado para coletar dados de maneira alternativa, por meio de censos internos. Por meio deles também é possível realizar diagnósticos relevantes, como fez a consultoria Mais Diversidade, especializada em políticas de diversidade no ambiente de trabalho.

A pesquisa revelou que mais da metade das pessoas entrevistadas (54%) não se sentem seguras para falar abertamente acerca da sexualidade ou identidade de gênero, número alarmante, considerando que permanecemos, em média, 1/3 de nosso dia no local de trabalho.

Semelhante ao Censo Demográfico 2022, outra pesquisa realizada pela TODXS verificou que, dentre as entrevistadas, apenas 52,06% das pessoas não escondem sua orientação sexual. Esse dado corresponde ao número levantado pela PNS, de que o medo é um fator determinante para a subnotificação apontada.

Portanto, a decisão do magistrado, com aplicação em todo território nacional, não poderia ser mais acertada, mas vale ressaltar que foi dada em sede de tutela de urgência, suscetível de revisão pela via recursal.

 

 

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