No último dia 28 de março, foram publicadas no Diário Oficial da União, duas Medidas Provisórias (“MP”), 1.108 e 1.109 (“MP 1.108” e “MP 1.109”), trazendo mudanças significativas em normas dispostas na Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”) e outras leis pertinentes no âmbito trabalhista.

Novas regras para o Vale-Alimentação

A MP 1.108 trata, inicialmente, do benefício do auxílio-alimentação, estabelecendo que este deverá servir “exclusivamente para o pagamento de refeições em restaurantes e estabelecimentos similares ou para a aquisição de gêneros alimentícios em estabelecimentos comerciais”, uma vez que a popularização do conceito de benefício flexível, sem a respectiva negociação coletiva, tornou as cargas realizadas em tais cartões de benefícios passíveis de utilização para outros serviços, como por exemplo, academias, streaming de vídeos, dentro outros, desvirtuando a sua finalidade.

 

O ato do Presidente da República vedou, nos contratos futuros de empresas com fornecedores de auxílio-alimentação, que seja oferecido um desconto ao contratante na obtenção do contrato, visando que seja posteriormente este valor compensado através de cobranças mais elevadas, e claramente abusivas, dos restaurantes e estabelecimentos que vendem gêneros alimentícios que aceitam pagamentos com o auxílio alimentação. Esta situação, impacta diretamente no consumidor, uma vez que diante do aumento das taxas, os estabelecimentos também aumentam o valor de seus produtos.

O desvio de finalidade do auxílio-alimentação, bem como a não observância da adequada execução de oferecimento do benefício, pelas pessoas jurídicas e empresas registradas, acarretará sanções, como por exemplo, o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica e multa que pode variar entre R$5.000,00 (cinco mil reais) a R$50.000,00 (cinquenta mil reais), com a hipótese de dobrar em caso de reincidência. Além disso, não exime a tributação dos valores pagos, como se fossem de natureza salarial.

 

Frise-se que havendo negociação coletiva, os benefícios flexíveis são perfeitamente aplicáveis e a MP 1.108 não os proíbe.

 

Teletrabalho

Outro ponto tratado na MP 1.108 foi com relação ao capítulo de teletrabalho, que a partir de agora, passa a abarcar o conceito de trabalho remoto. Entende-se, dessa forma, que o labor pode se dar de forma preponderante ou não, fora das dependências do empregador, mas com utilização de tecnologias de informação e comunicação, e que não configure trabalho externo.

Neste sentido, ainda que haja um trabalho remoto de duas vezes na semana, seria possível enquadra-lo nos termos da MP 1.108, com todas as suas consequência, incluindo, mas não se limitando ao controle de jornada.

Em ambos os casos, a prestação de serviços na modalidade de teletrabalho ou trabalho remoto, deverá constar de maneira expressa no contrato individual de trabalho. Ademais, houve a extensão da modalidade para estagiários e aprendizes.

Tanto o teletrabalho, quanto o trabalho remoto dispensam o controle de jornada, ainda que a empresa possua mais de 20 (vinte) empregados.

Há também permissão expressa para as contratações por produção ou tarefa no teletrabalho ou trabalho remoto, modalidades extraídas dos arts. 78 e 142, § 2º da CLT, sendo que neste ponto, a MP 1.108 objetiva sanar possível dúvida sobre a combinação das modalidades.

 

Alguns outros pontos na MP 1.108 merecem destaque, a saber:

  • O comparecimento esporádico às dependências do empregador para realizar certas atividades não descaracteriza o regime de teletrabalho;
  • Ao contrato de trabalho do empregado admitido no Brasil que optar pela realização de teletrabalho fora do território nacional, aplica-se a em regra, a legislação brasileira;
  • O empregador não será responsável pelas despesas resultantes do retorno ao trabalho presencial, na hipótese de o empregado optar pela realização do teletrabalho ou trabalho remoto fora da localidade prevista no contrato, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.
  • O acordo individual poderá dispor sobre os horários e os meios de comunicação entre empregado e empregador, desde que assegurados os repousos legais;
  • Deverão ser conferidas prioridade a empregados com deficiência e empregados e empregadas com filhos ou criança sob guarda judicial até quatro anos de idade na alocação em vagas de teletrabalho ou trabalho remoto; e
  • O regime de teletrabalho ou trabalho remoto não se confunde e não se equipara à ocupação de operador de telemarketing ou de teleatendimento.

 

A MP 1.109 – Medidas Trabalhistas Alternativas e PEMER

Outrossim, foi publicada a MP 1.109, dispondo sobre medidas trabalhistas alternativas, e sobre o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (“PEMER”), para enfrentamento das consequências sociais e econômicas do estado de calamidade pública que venham a ser decretadas pelo Poder Executivo, no âmbito federal, estadual ou municipal, como por exemplo, as enchentes em Petrópolis.

Entende-se que desta forma, as empresas poderão adotar uma série de medidas alternativas em situações de calamidade pública, sendo elas, o teletrabalho, a antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, o aproveitamento e antecipação de feriado, o banco de horas e a suspensão da exigibilidade dos recolhimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (“FGTS”). Ainda, poderão ser utilizadas as medidas previstas no PEMER, que viabilizam, por exemplo, casos de redução proporcional da jornada de trabalho e do salário, a suspensão temporária do contrato de trabalho e o pagamento do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (“BEm”).

Como previamente exposto, estando diretamente correlacionado com a MP 1.108, já abordada neste texto, o teletrabalho foi incluído como uma das medidas alternativas que podem ser adotadas em caso de calamidade pública, podendo o empregador neste caso, determinar a alteração para o regime remoto, bem como o retorno para o regime presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho. A alteração deverá ser comunicada ao empregado, de forma escrita ou por meio eletrônico, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, sendo necessário, a observância das demais regras que regulamentam o teletrabalho.

 

Férias individuais, férias coletivas e antecipação de feriados

A antecipação de férias individuais também deverá ser informada em, no mínimo, 48 (quarenta e oito) horas, seja por meio escrito ou eletrônico, e não poderá ser de períodos inferiores a 5 (cinco) dias corridos. O empregador, neste caso, possui discricionariedade para conceder as férias, ainda que não tenha sido transcorrido o período aquisitivo. O adicional do terço constitucional ainda é devido, contudo, pode ser pago após a concessão do período de recesso, com a data limite para pagamento sendo a mesma em que é devido o pagamento do 13º (décimo terceiro) salário, e em caso de pedido de demissão por parte do empregado, o valor das férias antecipadas será descontado de suas verbas rescisórias à qual faz jus.

Já as férias coletivas também devem ser notificadas aos empregados seguindo a mesma regra das regras individuais, sendo que neste caso, não é necessário observar o limite máximo de períodos anuais, podendo desta forma, as férias serem decretadas por mais de 30 (trinta) dias.

Outro ponto que deve ser destacado, e que se tornou comum com a pandemia do Covid-19, foi o aproveitamento e antecipação de feriados pelos empregadores,  ponto este que também foi abordado na medida. O banco de horas deve ser estabelecido por meio de acordo individual ou coletivo escrito, autorizando o empregador a interromper as atividades, podendo a compensação ocorrer no prazo de até 18 (dezoito) meses. No caso deste período interrompido, a jornada de trabalho poderá ser prorrogada em, no máximo, 2 (duas) horas diárias, independendo de convenção coletiva ou acordo, seja ele coletivo ou individual.

 

Recolhimento do FGTS

Com relação ao recolhimento do FGTS, este poderá ser suspenso pelo Ministério do Trabalho e Previdência (“MTP”) por até 4 (quatro) competências, com relação aos estabelecimentos dos empregadores. Tais depósitos poderão ser realizados em até 6 (seis) prestações, em que não incidirão atualização da multa e encargos.

No tocante ao BEm, o formato publicado pela MP 1.109 está alinhado com o presente na própria Lei 14.020. O prazo de adoção ao programa poderá perdurar por até 90 (noventa) dias, sendo possível de prorrogação, por prazo determinado, enquanto perdurar o estado de calamidade. A ideia do programa é manter e preservar os empregos nestes casos extraordinários, em que os empregados, diante das dificuldades do empregador, acabam por terem seus contratos suspensos ou com jornadas de trabalho reduzidas, ao invés de terem seus contratos de trabalhos rescindidos. Estes empregados que tiverem seus contratos afetados, receberão um auxílio da União proporcional ao valor do seguro-desemprego, e de seus impactos e reduções, além de possuírem uma garantia, também proporcional ao tempo que sofrera os impactos.

Por fim, vale ressaltar que mesmo que as MP’s produzam efeitos jurídicos imediatos, dependem de aprovação pendente do Poder Legislativo, para que possa ser devidamente convertidas em lei, no prazo máximo de até 120 (cento e vinte) dias, caso haja prorrogação dos 60 (sessenta) dias iniciais de vigência.

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